O stresse existe, no dia-a-dia, na nossa vida. O corpo humano está preparado para reagir de forma instantânea a situações de stresse que surgem de momento a momento, e conseguir combatê-las ou aguentá-las.
Perante uma ameaça (por exemplo, imagine que o seu filho cai e vê sangue a escorrer-lhe da cabeça, ou que vai a conduzir e o carro lhe foge da mão), o coração começa imediatamente a bater forte, a respiração fica mais profunda e rápida, os músculos ficam tensos, a tensão arterial aumenta, o nível de açúcar sobe no sangue, processos estes que fazem com que a pessoa fique com mais energia e força para reagir a essa ameaça.
O problema é quando somos confrontados com um grande número de exigências e somos expostos constantemente a situações de ameaça, das quais não há hipótese de escapar. Nesse caso, o nosso corpo é repetidamente estimulado, ficamos tensos e com stresse. Ficamos irritados, ansiosos, com dificuldades de concentração, com insónias, dores de cabeça, dores de costas, dores de estômago, tremores e palpitações, etc..
Exemplos de situações de stresse no dia-a-dia:
• Conflitos frequentes no emprego.
• Dificuldades financeiras.
• Problemas de relacionamento com filhos, companheiro e outros familiares.
• Filas de trânsito, atrasos nos transportes públicos.
• Perda de alguém próximo.
• Doenças graves e/ou prolongadas.
As manifestações fisiológicas de resposta ao stresse variam de pessoa para pessoa, sendo que, por exemplo, a uns afeta mais o estômago e a outros o coração.
Manifestações Cardiovasculares do Stresse
Como já referido, perante uma situação de stresse agudo há aumento da frequência cardíaca e da tensão arterial.
O nosso cérebro, perante a perceção de uma situação de stresse, transmite ordens imediatas de resposta, através da estimulação do sistema nervoso simpático. Este atua diretamente no coração e nos vasos sanguíneos, mas, ao mesmo tempo, estimula a libertação de adrenalina e noradrenalina pelas glândulas suprarrenais. Estas são as principais hormonas do stresse, responsáveis pela resposta aditiva de aumento da frequência cardíaca e de tensão arterial.
Se não existisse este mecanismo de resposta, nunca conseguiríamos ter força para superar determinadas situações, ficaríamos impotentes e imediatamente exaustos.
De uma forma geral, estas respostas são moderadas, o coração começa a bater mais depressa (aumenta a frequência cardíaca) e há algum grau de subida da tensão arterial, o que permite que os nossos músculos e todos os órgãos em geral fiquem mais irrigados e oxigenados, logo tenham mais força e maior capacidade de resposta para reagir à situação de stresse. De uma forma geral, este processo não tem consequências indesejáveis para a saúde. Finda a situação de stresse, tudo volta ao normal.
Em situações de grande stresse ou de stresse persistente, podem surgir complicações mais ou menos graves, principalmente se já há alguma doença cardíaca ou cardiovascular de base ou se existem outros fatores de risco de doenças cardiovasculares.
Os principais fatores de risco de doença cardiovascular são a hipertensão arterial, a diabetes, a dislipidemia (colesterol elevado associado ou não a triglicéridos elevados), obesidade, sedentarismo, ácido úrico elevado, tabagismo.
Complicações cardiovasculares mais frequentes:
Crise Hipertensiva
A subida da tensão arterial, que, como já referimos, numa situação de stresse é, geralmente, moderada, pode ser, no entanto, exagerada e até muito grave.
Nestes casos, surgem, por norma, sintomas como dores de cabeça, enxaquecas, tonturas, mal-estar geral, náuseas, vómitos.
Os doentes já previamente hipertensos, principalmente se mal controlados, são os que têm maior propensão para crises hipertensivas graves.
De notar que todos nós, mesmo as pessoas com tensão arterial geralmente baixa, podemos desencadear uma crise hipertensiva em situações de stresse agudo. Neste caso, uma vez resolvida a situação, tudo volta ao seu normal e as pessoas não devem ser consideradas hipertensas.
Uma crise hipertensiva pode ainda dar origem a outras complicações muito graves, como o enfarte do miocárdio, o acidente vascular cerebral (AVC), a insuficiência cardíaca aguda, arritmias, coma por encefalopatia hipertensiva.
Enfarte Agudo do MiocárdioO enfarte agudo do miocárdio é, geralmente, o resultado final do entupimento de uma artéria coronária, que já estava parcial ou quase totalmente obstruída por uma placa aterosclerótica. Esta placa, constituída por depósitos de colesterol e de fibrina, foi-se formando ao longo de anos, e crescendo lentamente e de forma silenciosa, sem o doente sentir qualquer problema.A razão por que se formam estas placas ainda não está totalmente esclarecida, embora se saiba que existem mais em pessoas que têm os chamados fatores de risco de doença cardiovascular já mencionados (a hipertensão arterial, a diabetes, a dislipidemia – colesterol elevado –, o tabagismo, a obesidade).
Numa situação de stresse agudo, a placa aterosclerótica, independentemente do seu tamanho, pode sofrer um processo de inflamação e rotura. Ao romper-se (a placa é como uma ferida), o corpo defende-se e tapa-a através da formação de um trombo (um coágulo, rolhão ou crosta). É este trombo que entope, então, de forma súbita, toda a artéria coronária e que vai ser responsável pelo enfarte agudo do miocárdio.
Por outro lado, o próprio stresse contrai os vasos e faz com que as artérias coronárias sofram um processo de espasmo. Mesmo sem haver rotura da placa, o espasmo intenso e prolongado numa artéria que já está parcialmente entupida pode originar um enfarte do miocárdio.
O papel do stresse na fisiopatogenia do enfarte é de tal maneira importante que existem enfartes sem que haja placas de aterosclerose por detrás do processo, sendo apenas o espasmo das artérias o único fator desencadeante da situação.
Quando alguém está a ter um enfarte do miocárdio tem, normalmente, uma dor intensa no peito, difusa, que, por norma, é sentida como uma pressão, um aperto ou um peso e que vem do interior do tórax. A dor quase nunca é localizada (não é uma picada local, nem uma dor que se consegue apontar com o dedo), mas o doente aponta com a mão aberta fazendo-nos perceber que é uma dor mais abrangente, e pode estender-se ao braço esquerdo, aos ombros, a ambos os braços, ao pescoço e às costas. Também pode ser uma dor em cinturão (como se um cinto apertasse todo o tórax) ou uma dor mais semelhante à dor de estômago.
Existem outros sintomas geralmente associados, como o mal-estar, náuseas e vómitos, suores, que podem ser frios, e palidez ou falta de ar.
Se sentir algo assim, não fique à espera, controle-se, chame por socorro (ligue para o 112) ou dirija-se à Urgência mais próxima, pois pode estar a ter um enfarte do miocárdio. Enquanto aguarda, sente-se ou deite-se e encontre a posição mais confortável. Se tiver à mão uma Aspirina, tome-a logo, com pouca água, pois é um medicamento que, ao diluir o sangue, ajuda a desfazer o trombo e faz parte do tratamento que lhe vão dar no hospital. Informe o médico de que já a tomou e qual a dose.
O enfarte agudo do miocárdio, quando tratado nas primeiras duas horas, pode ser totalmente resolvido, a artéria obstruída pode ser revascularizada através de um cateterismo urgente e o coração ficar sem qualquer sequela.
Após este período, existem outros tratamentos e, nalguns casos, também se pode fazer cateterismo, mas a taxa de sucesso não é tão elevada. O mais frequente neste caso é ficar uma cicatriz mais ou menos extensa, uma parte do coração que deixa definitivamente de funcionar. Por isso, é muito importante que a população esteja alertada para os sintomas e que o doente se dirija o mais urgentemente possível ao hospital, aconselhando-se a que ligue imediatamente para o 112.
Acidente Vascular Cerebral
O acidente vascular cerebral (AVC) pode ser de origem isquémica, embólica ou hemorrágica, sendo quase sempre uma situação trágica pelo grau de incapacidade que deixa ao doente e pela “carga” exercida sobre as famílias.
O AVC isquémico é o mais frequente, surge mais nos idosos, sendo a sua fisiopatogenia semelhante ao do enfarte agudo do miocárdio, tendo por base uma placa aterosclerótica.O AVC hemorrágico, a não ser em casos raros em que existem malformações, é geralmente o desfecho catastrófico de uma crise hipertensiva muito grave, estando associado a uma mortalidade elevada.Já o AVC embólico é resultante de um trombo que se soltou de outro lugar na circulação corporal. A sua relação com o stresse é menor, embora possa haver uma relação indireta, caso o stresse tenha desencadeado uma arritmia cardíaca.O AVC é uma doença que assusta, pois todos sabemos as graves sequelas que daí podem surgir. Desde simples dormência de um braço ou perna de que se recupera totalmente, até à dependência total de terceiros para o resto da vida, pode surgir uma panóplia de sintomas e consequências mais ou menos graves. Assim, o doente pode ficar com paralisia de uma perna ou braço, paralisia extensa de uma metade do corpo, perda parcial ou total da fala, da visão, da capacidade de conhecimento ou de comunicação com terceiros.Quando alguém tem um AVC, os sintomas surgem de forma relativamente súbita, mas também podem surgir progressivamente. O doente pode começar a ficar maldisposto, pode ficar desorientado (não saber onde está ou o que ia fazer), pode começar a articular mal as palavras, a ter dormência na face, dormência numa mão ou perna, começar a ver duas imagens ou imagens desfocadas. Se sentir estes sintomas ou notar isto num familiar, principalmente se já não estiver em idade jovem, chame o 112 ou dirija-se imediatamente ao hospital, pois pode estar a iniciar um AVC.À semelhança do enfarte do miocárdio, o AVC, quando tratado nas primeiras três horas, pode ser totalmente resolvido, a artéria obstruída revascularizada por cateterismo e a situação pode ser ultrapassada sem sequelas. A indicação para cateterismo no AVC é mais restrita do que no enfarte do miocárdio, mas só se o doente chegar rapidamente ao hospital é que esta possibilidade de tratamento pode ser colocada. De qualquer forma, à semelhança do enfarte, deve também tomar Aspirina, enquanto aguarda, e informar depois o médico.
Arritmias CardíacasO coração é comandado por uma bateria endógena, um “gerador” que é o nódulo sinusal, que está localizado na aurícula direita. Ele liberta estímulos elétricos regulares e repetidos, a uma frequência de 60-80/minuto. São estes estímulos que, uma vez espalhados por todo o coração, fazem o músculo cardíaco contrair e bombear o sangue para a circulação.Apesar do nódulo sinusal comandar de forma autónoma o ritmo cardíaco, ele sofre influência do nosso sistema nervoso, que o estimula através do sistema simpático e o inibe através do sistema parassimpático. Isto permite que o ritmo do coração se adapte rapidamente e que este trabalhe mais ou menos depressa, consoante as necessidades do corpo. A estimulação excessiva do coração pode induzir o aparecimento de arritmias. Estas arritmias são resultantes da estimulação do sistema nervoso simpático, que aumenta por si só a frequência cardíaca, mas também liberta adrenalina e noradrenalida, hormonas pró-arrítmicas.As arritmias mais frequentes relacionadas com o stresse são a taquicardia sinusal, a taquicardia supraventricular, a fibrilhação auricular e as extrassístoles, que podem ser supraventriculares ou ventriculares.
Taquicardia Sinusal
É definida como ritmo sinusal maior do que 100/minuto. É a arritmia mais frequente de resposta ao stresse, resultante apenas de um ritmo cardíaco elevado.
Neste caso, só sentimos o coração a bater rapidamente, sem maiores consequências. Se a situação for prolongada, pode haver algum mal-estar e sensação ligeira de dificuldade em respirar. No caso de haver já uma doença cardíaca, a taquicardia persistente pode desencadear ou agravar uma insuficiência cardíaca.
Extrassístoles
A adrenalina e a noradrenalina são hormonas altamente arritmogénicas, estimulando o coração e fazendo com que surjam estímulos elétricos de outros locais do coração, aurículas e ventrículos.
As extrassístoles supraventriculares (originadas nas aurículas) são extremamente frequentes em situações de stresse, podendo ser isoladas ou surgir em grupos ou salvas.
São sentidas geralmente como palpitações, como “falhas”, como “trambolhões”, “baques”, isto referindo algumas das expressões que ouvimos dos doentes.
São situações benignas, que não preocupam o médico, pois não originam consequências de maior. São apenas incómodas para o doente.
Taquicardia Paroxística Supraventricular
A taquicardia paroxística é uma arritmia já mais séria, pois, apesar de benigna, pode ser prolongada e muito incómoda e durar vários minutos ou mesmo horas.
É resultante de as aurículas entrarem em “curto-circuito”. Neste caso, surge uma taquicardia rápida (150-200/minuto), de início súbito, mais sintomática, e o doente sente que o coração “disparou” e ficou assim, não conseguindo voltar ao seu ritmo normal. É geralmente uma taquicardia que também para de forma súbita, razão por que se chama paroxística.
De notar que este tipo de disritmia pode não estar associado ao stresse, ser recorrente e sem fator desencadeante, o que é comum em pessoas mais jovens, tendo, neste caso, outra causa, podendo haver anomalias congénitas do tecido de condução.
É geralmente uma situação benigna, mas convém o doente saber que existem alguns truques de que se pode socorrer e que, muitas vezes, resultam sem o doente ter de ir parar ao hospital.
Assim, deve inspirar o mais fundo que puder e aguentar o máximo de tempo que conseguir; pode, nesse caso, até fazer força para deitar o ar fora mas sem o deixar sair (bloquear a garganta); pode tentar o inverso, ou seja, deitar o ar todo fora e aguentar o máximo de tempo possível, e pode ainda deitar água fria para os olhos abertos. Se isto não resultar, então dirija-se a uma Urgência.
Fibrilhação Auricular
A fibrilhação auricular é um dos tipos de arritmia mais frequente, principalmente nas idades mais avançadas. No idoso é, frequentemente, resultante de uma doença cardíaca já existente, mas também pode surgir isoladamente devido às alterações do coração, que acompanham a idade.
O coração envelhece, à semelhança de todos os nossos órgãos, pois não é só a pele que fica com rugas, nem só o cabelo que fica branco. Todos os nossos órgãos sofrem alterações próprias da idade, que consideramos “normais para a idade”, mas que estão lá. É normal um “velhote” ter cabelo branco, não? Não ficamos admirados, é “normal para a idade”!
Também o coração sofre alterações normais ao longo da idade: as válvulas ficam mais rijas, com fibrose e, por vezes, um pouco calcificadas, o músculo cardíaco menos flexível e menos distensível, as aurículas mais dilatadas, as artérias menos elásticas e mais rijas, etc.. Mas tudo funciona razoavelmente, está dentro do padrão da normalidade para a idade.
Acontece que, quando as aurículas se dilatam, dado que a nossa bateria endógena está na aurícula direita, esta pode deixar de funcionar bem. As aurículas podem começar a disparar estímulos elétricos não só daqui, mas de todo o sítio, e toda a aurícula se torna “numa bateria” e dispara estímulos elétricos ao mesmo tempo e de todo o lado – é a fibrilhação auricular.
Esta é uma arritmia total, em que não há dois batimentos seguidos regulares, em que a frequência cardíaca pode ser muito elevada.
O nosso coração é uma máquina com muitos mecanismos de defesa, e procura controlar esse ritmo bloqueando o seu acesso aos ventrículos (que são a grande bomba do coração), conseguindo que, apesar da arritmia existente, o ritmo cardíaco final seja mais lento. Quando este controlo não é perfeito, a frequência cardíaca é elevada (pode ser entre 150-200/min) e o doente sente-se mal.
Como, ainda por cima, é uma arritmia do idoso, tendo geralmente por trás já uma doença, o doente tende a tolerar muito mal esta situação, ficando muito cansado, com falta de ar perante esforços mínimos, podendo mesmo entrar em insuficiência cardíaca. Neste caso, pode precisar de medicamentos que ajudem a controlar a frequência cardíaca, além dos outros problemas associados, pelo que deve recorrer ao médico.
O maior problema da fibrilhação auricular para o médico não é propriamente o seu controlo, mas são as suas consequências.
Como se trata de uma arritmia total, o sangue deixa de circular dentro do próprio coração com uma cadência ritmada e perfeita, passando a andar aos círculos dentro das próprias aurículas dilatadas. Tendem a formar-se, assim, pequeninos trombos, geralmente microtrombos, mas que, ao entrarem na circulação, dão origem a embolias. O doente pode ter um AVC (é o AVC cardioembólico, que não se trata com cateterismo, mas com anticoagulantes), uma embolia pulmonar ou uma embolia periférica para um dos membros.
Este é o maior receio do médico perante um doente que tem uma fibrilhação auricular, o de que o doente venha a ter um fenómeno embólico.
Um doente que tem uma fibrilhação auricular, principalmente se esta for crónica, tem de tomar anticoagulantes em doses eficazes e para o resto da vida.
A fibrilhação auricular, principalmente em pessoas jovens, pode também ser resultante apenas de uma situação de stresse intenso ou agudo; mas, como arritmia apenas, provocada pelo stresse, sem que exista uma doença cardíaca de base, é relativamente rara.
Pode ainda ter outras causas não orgânicas, como ingestão marcada de álcool, ou pode surgir no contexto de outras doenças agudas não cardíacas, como situações infeciosas com febre ou doenças da tiroide.
Perante estes quadros, é aconselhável que evitemos, na medida do possível, as situações de stresse prolongado. Ao mesmo tempo, devemos procurar seguir um estilo de vida não sedentário, praticar exercício físico de forma regular, ter uma alimentação saudável e isenta de gorduras saturadas, de sal e de açúcar em excesso, e eliminar as substâncias aditivas (café, álcool, tabaco).
A formação de novos hábitos de vida pode exigir algum esforço e perseverança, mas vale a pena. Ganha a sua saúde, prezado Leitor, mas ganha, também, a sua qualidade de vida.
Madalena Carvalho
Cardiologista
Cardiologista
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