03/09/13

Alimento Funcionais e a Origem da Saúde



A alimentação humana responde a uma constelação de necessidades que, ao longo dos tempos, tem sido melhor esquadrinhada. A mais básica afirmaria que nos alimentamos para matar a fome. No entanto, a alimentação pode ser vista numa perspetiva originadora de saúde, ou até de regulação de uma característica que se procura enfatizar (como seja o aumento da massa muscular, a diminuição do peso, a performance física, a satisfação estética, hedonística, ritualística, exótica, … e a lista poderia continuar).
Nos últimos 100 anos desenvolveu-se uma procura da evidência científica do que é que cada alimento contém que proporcione saúde. Assim se chegou à definição de alimentação funcional. Esta perspetiva salutogénica – em busca da saúde (salus) e das suas origens (genesis) – na alimentação, está hoje na primeira linha da atenção de muitas pessoas. Cada vez é mais visível a preocupação de nos alimentarmos para reforçar a saúde, em vez de para satisfação do apetite ou mesmo do paladar. É visível esta busca no crescente número de pessoas que dedicam tempo, por exemplo, a lerem os rótulos das embalagens. 
Pode-se afirmar que um alimento funcional é um alimento que pode contribuir para a manutenção ou para o incremento da saúde. Nem tudo o que ingerimos se pode balizar por estas características, havendo muitos alimentos que, no lugar de serem funcionais, podem mesmo ser classificados como disfuncionais. Por outro lado, apanhando a boleia do interesse que cada vez mais pessoas lhe dedicam, a indústria alimentar encontrou na alimentação funcional um nicho de mercado que tem explorado, muitas vezes, de modo pouco saudável (o que não deixa de ser contraditório). Assim, embora seja relevante dedicarmos a nossa atenção aos alimentos funcionais, importa estar informado e consciente das escolhas que fazemos, não caindo presa fácil do mercado.
Compreender as influências salutogénicas dos alimentos ajudar-nos-á a entender como podemos ser senhores da escolha do nosso cardápio, adaptando-o aos objetivos superiores do nosso bem-estar e saúde.
Existem duas razões (pelo menos) para que o tema dos alimentos salutogénicos entre definitivamente na nossa agenda:
– Primeiro, porque tentar manter ou recuperar a nossa saúde de modo artificial (com medicamentos, por exemplo) tem um custo cada vez mais proibitivo. Assim, alimentar-se para reforçar a saúde, indo em busca das suas origens, revelar-se-á muito benéfico a todos os níveis… e mais barato!
– Em segundo lugar, porque a proliferação de alimentos salutogénicos artificiais obriga-nos a uma atitude de precaução, mantendo uma abordagem esclarecida e inteligente, precavendo-nos de sermos as vítimas seguintes do engodo de uma indústria cada vez mais omnipresente. Acreditamos mesmo que será através de um público consumidor esclarecido e exigente que a indústria acabará por se aliar à busca das origens da saúde no fornecimento dos alimentos que consumimos.
Vejamos a primeira razão: As sociedades estão hoje cada vez mais pressionadas para a diminuição dos gastos em medicamentos.Construir uma alimentação baseada em alimentos salutogénicos pode, por exemplo, ser relevante para diminuir a fatura na farmácia. Por outro lado, isto ajuda-nos a recuperar de alguma condição de menor saúde: por exemplo, se se é diabético, a alcachofra constitui uma fonte alimentar que pode auxiliar a regular a insulina no sangue (ver S&L de abril de 2013). Pode assim poupar-se, enquanto se reforça a saúde com soluções que podem ser geridas com este tipo de alimentos.
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Quanto à segunda razão, o facto de sermos convidados constantemente a comprar este ou aquele alimento salutogénico artificialmente construído (e.g., leite enriquecido com cálcio) não só sai mais caro, como não está demonstrado o seu real benefício para a saúde. Na verdade, a presença de proteína no leite afeta o processo de absorção do cálcio. Assim, o leite não é um produto adequado para adultos em busca da saúde dos seus ossos. Antes, a couve-portuguesa apresenta muito mais potencialidades para o fim pretendido: não somente ela é muito mais rica em cálcio do que o leite, como ainda por cima a sua assimilação é muito mais facilitada, sem as contra-indicações de consumir-se leite na idade adulta ou na terceira idade.
Enquanto se discute em vários fóruns a utilidade e o benefício para a saúde de toda a panóplia dos organismos geneticamente modificados (desde a soja até ao milho), devemos continuar a confiar na milenar sabedoria humana que olha para estes alimentos naturais como fonte de saúde e bem-estar. Hoje, podemos fazê-lo de modo mais esclarecido, o que é uma vantagem. Outra vantagem é podermos ser nós próprios os produtores dos nossos alimentos promotores de saúde. Este mês, a nossa sugestão vai no sentido de produzir na sua Horta do Lar (HoLa) um dos alimentos salutogénicos mais poderosos na potenciação da saúde: a chicória.

Tenha chicória quase o ano todo!
A chicória
A chicória pertence à família dos girassóis e das margaridas, e é um produto hortícola de fácil produção, além de ser de elevado teor nutritivo. Possui propriedades medicinais que estão identificadas há milhares de anos. 
Designada cientificamente como Cichorium, está dividida em duas grandes famílias: a chicória-endívia (frisada e escarolada) e a chicória-brava ( melhorada e witloof).
É uma planta que apresenta uma belíssima flor de cor azul púrpura em forma de estrela, que aparece normalmente a partir do seu segundo ano. Sendo arbustiva perene, a chicória cresce a partir de tubérculos que são usados na alimentação humana como substitutos do café (depois de torrados e moídos). As folhas da chicória são ricas em fibra e podem ser cozinhadas ou consumidas cruas. Dela é proveniente a inulina, que se apresenta em grandes concentrações na raiz da planta. A chicória tem um papel na limpeza do fígado, estimula o baço, ajuda a corrigir problemas estomacais, intestinais ou da visão. Reforça os ossos, os dentes e os cabelos. Rica em vitaminas C, K, P e do complexo B, aminoácidos, cálcio, potássio, sódio, magnésio, ferro, cobre, é um alimento funcional fundamental, que se dá na HoLa durante todo o ano.

Preparar
O terreno para a plantação de chicória pode receber sol direto ou sombra, pois a planta dá-se bem desde que haja luminosidade e não necessariamente exposição direta ao sol. No entanto, as plantas cultivadas sob exposição direta ao sol desenvolvem um travo mais amargo. Este fator é por vezes procurado, o que faz da chicória uma escolha natural. Se se desejar um sabor menos amargo, então escolha-se um lugar com mais sombra para a cultivar. Um terreno rico em nutrientes é uma vantagem, embora a chicória não precise de muito hidrogénio. O terreno deve ser bem drenado.
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Pode-se semear e plantar chicória também dentro de casa e ter assim uma produção no espaço que habitamos. As suas diferentes fases de crescimento darão vida a uma casa, particularmente no tempo da floração. As flores da chicória são grandes e de tons azulados, a sua forma de estrela e o seu odor darão um encanto natural e um cheiro agradável ao lar. Outra vantagem é que, ao deixar amadurecer as flores para decoração, viabiliza o seu aproveitamento para consumo medicinal, pois estas são protegidas na fase do seu desenvolvimento, sendo aproveitadas na íntegra. Podem ser então colocadas em frascos de vidro, depois de secas, sendo úteis para utilização oportuna (ver sugestões). Esta planta dá-se muito bem em solo português, na medida em que cresce bem entre temperaturas amenas, dos 12ºC aos 20ºC.

Semear 
A profundidade para semear as sementes pode situar-se a 1cm, com um espaçamento de 10cm entre cada planta (considere 3g de sementes por metro quadrado). A chicória pode ser semeada ou plantada diretamente ao longo do ano. Em casos de localidades muito frias, uma sementeira inicial em cama quente ou protegida contribuirá para desenvolver boas condições para a produção da chicória.

Plantar
As plantas semeadas podem ser transplantadas quando tiverem entre 4 ou 5 folhas ou 10cm de altura. Neste caso, a distância entre plantas pode variar cerca de 30cm. No caso de zonas muito frias, colocar palha em torno das plantas para aumentar a temperatura. 
O clima em Portugal permite semear e plantar chicória praticamente todo o ano. 
Existe uma técnica para obter endívias a partir das raízes pelo cultivo forçado sem luz, utilizando um caixote de terra solta. Pegar na raiz e cortar na diagonal com 2 a 2,5cm acima da coroa. Voltar a plantar com a coroa 2 a 2,5cm acima do solo. Irrigar apenas uma vez. Cobrir o caixote de modo a impedir o sol de chegar (por exemplo, com papel). Ao fim de um mês, podem colher-se as endívias. Assim se obtém a barbe-de-capucin, muito apreciada em terras gaulesas. Mas existe ainda outra técnica para obter uma grande raiz (witloof) da planta, privando-a de luz ao ar livre.
A plantação da chicória em local definitivo pode ocorrer desde meados da primavera até meados do outono. No entanto, nos períodos mais frios poder-se-ia passar por uma sementeira em terra quente com posterior plantação das plantas nascidas, de modo a poder acelerar o seu crescimento (ou seguindo a técnica proposta anteriormente). O espaço de ocupação de uma planta pode situar-se nos 1,20m, entre linhas, e 1x1,5m, entre covas.

Cuidar
A chicória requer pouca manutenção. A sua sementeira livre em terreno firme pode acontecer depois da última geada. O desbaste frequente ajuda ao crescimento e ao florescimento na planta. Em vez de um solo muito regado, a chicória prefere um solo bem drenado que não seja excessivamente húmido. A rega deve assim ser constante, mas não de modo a inundar o pé da planta. Uma técnica para obter chicórias de sabor alternado (mais amargo ou doce), mais tenras ou agrestes, consiste em cobrir uma ou outra com um vaso invertido, algumas horas por dia (durante 15 dias antes da colheita), diminuindo assim a sua exposição à luz solar. Deste modo, controlamos o seu sabor amargo: mais sol, mais sabor amargo.

Chicória-endÍvia
Colheita e consumo
Sementeira
TransplanteDisposição definitiva em terra
Abril-Junhofrisada
Terra quente em janeiro/ fevereiro.
Transplante para sementeira morna.
Março
escarola
Terra quente em janeiro/ fevereiro.
Transplante para sementeira morna.
Março
Julho-Agosto frisada
Em terreno inclinado, depois de 20 de abril.
15 de maio
escarola
Fim de abril.
20 de maio
Setembro-Outubro frisada
Em terreno inclinado, depois de 20 de maio.
5 de junho
escarola
Em terreno inclinado, depois de 30 de maio.
15 de junho
Novembro-Fevereiro frisada
Em terreno inclinado, depois de julho.
Julho-agosto
escarola
Em terreno inclinado, depois de julho.
Julho-agosto

Chicória-brava
Colheita e consumo
Sementeira
Transplante
Disposição definitiva em terra
Julho-setembro
Terra livre em linha, junho.
Desbaste em tulha de jardim, em julho.
Novembro-dezembro
Terra livre em linha para desbastar ou em viveiro. Transplante em março-abril.
Maio-junho, desbaste ou disposição
na terra. Branqueamento em cave,
no início de outubro.
Dezembro-janeiro
Terra livre em linha para desbastar ou em viveiro. Transplante em maio.
Junho, desbaste ou disposição na terra.
Branqueamento em cave, no fim de outubro.
Janeiro-fevereiro
Terra livre em linha para desbastar ou em viveiro. Transplante em maio.
Junho, desbaste ou disposição na terra.
Branqueamento em tulha de jardim, a 15 de outubro.
Fevereiro-março
Julho-agosto, em linha e em terra livre.
Desbaste um mês depois da sementeira.
Cortar no começo do inverno e tapar com folhas secas e turfa.
HoLa%20Anual2-12.aiUma HoLa em terra
Espaço extra para a estufa (1x1m), a estação de compostagem e para arrumaçãodos utensílios.
Terreno para cultivo de 10m2 (5x2m), dividido em 12 partes iguais.Todos os meses, veja a sua HoLa a crescer!
Colher
Os ciclos de crescimento variam entre os 50 e os 90 dias, germinando a planta ao fim de 15 dias. Se a raiz ficar em terra, é possível que a planta volte a brotar, iniciando-se um novo ciclo que conduzirá a uma nova planta.


shutterstock_117459295.jpgNutrir 
Nome: Chicória crua
Grupo: Batatas, Produtos Hortícolas e Derivados, exceto leguminosas
SubGrupo: Produtos hortícolas
Parte Edível: 51%
Porção Unitária Recomendada: 180g
Para mais informações, consultar: Porto A. Oliveira L., Tabela da Composição de Alimentos. Lisboa: Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. 2006.
Sugestões e soluções 
A chicória aproveita-se na íntegra, sendo os seus tubérculos, por exemplo, ricos em inulina, um polissacárido que, não sendo digerido pelo intestino (as nossas enzimas não conseguem ter ação na inulina), é fundamental para a nossa alimentação, pois este nutriente, sob a forma de fibra solúvel, é a base da alimentação das bactérias que povoam o nosso trato intestinal. Assim, a inulina é considerada um alimento pré-biótico, um alimento salutogénico de primeira qualidade, prevenindo várias doenças dos intestinos.
Isto permite compreender porque é que a chicória tem propriedades levemente laxantes, depurativas e estomacais. Ela é também um diurético e anti-anémico, antipirético e anti-inflamatório Em caso de problemas intestinais, como obstipação ou inflamação intestinal, a chicória apresenta-se com o seu tubérculo como uma excelente opção para minimizar, ou até mesmo eliminar, esses problemas. A sua raiz pode ser aproveitada por decocção com 30 a 40g por litro de água, mantendo em ebulição por 10 minutos. A tomada de duas ou três colheres de chá por dia deste chá de chicória pode ser útil para vários tipos de problemas intestinais. As folhas são igualmente excelentes para o consumo, quer nas saladas, quer como base para chás medicinais. Finalmente, as flores da chicória usadas em chás permitem combater a inflamação da mucosa e do intestino. É interessante notar que um xarope feito de chicória tem propriedades vermífugas e laxantes. Há, assim, um benefício muito alargado para a nossa saúde do uso da chicória como alimento funcional.
Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde, MPH, PhD

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