Entre todos os factores ambientais que condicionam a nossa vida, a alimentação é sem dúvida o mais importante. Se ela for incorrecta, por carência, excesso ou desequilíbrio, mais tarde ou mais cedo pode aparecer a doença. Na realidade, parafraseando o ditado popular, nós somos aquilo que comemos, desde o primeiro momento da vida independente e, já antes, de acordo com a alimentação, errada ou certa, da nossa mãe.
Leite materno
Ao nascer, e durante os primeiros 4-6 meses de vida, o leite materno identifica-se em absoluto com as necessidades do bebé, pelo seu valor nutricional, imunológico, psicológico e reacional. É um alimento vivo, completo e natural, perfeitamente adaptado às características e realidades digestivas do bebé, e à sua relativa imaturidade.
Protege o bebé contra muitas infecções, como, por exemplo, as gastroenterites e as diarreias em geral, bem como, entre outras, as infecções respiratórias, as otites e as infecções urinárias.
A alimentação materna parece ainda proteger a criança das alergias, ou protelar o seu aparecimento. Promove um melhor desenvolvimento psicomotor da criança, pela qualidade da interacção mãe/filho, durante a mamada. Não há desenvolvimento saudável sem relacionamento adequado. Se há uma boa relação mútua entre a mãe e o bebé durante a aleitação, os dois saem enriquecidos da experiência: a mãe na sua auto-‑estima e o bebé na sua vinculação à mãe, na sua segurança afectiva.
Uma boa higiene da amamentação, pressupõe uma alimentação correcta da mãe e uma total abstenção de todas as substâncias aditivas (não lícitas ou mesmo lícitas) que possam afectar o normal desenvolvimento do organismo em geral e nomeadamente do sistema nervoso do bebé (álcool, tabaco, outras drogas, bebidas com alcalóides, etc.). Embora não sejam conhecidos estudos sobre o assunto, podemos interrogarmo-nos se a passagem destas substâncias nocivas para o bebé através do leite da sua mãe, não poderão vir a influenciar, mais tarde, a sua apetência pelas mesmas substâncias.
Importa, também, que a alimentação da mãe seja rica em fruta, vegetais, cereais, oleaginosas e em quantidades adequadas de leguminosas, para que o leite que produz seja o mais saudável e higiénico possível.
Aleitação artificial
Na falta do leite materno, há que administrar ao bebé, nos primeiros meses, um leite de substituição. A indústria alimentar tem providenciado uma gama crescente e cada vez mais actualizada de leites (ou fórmulas lácteas), infantis. Aqui, até, e de acordo com a nossa maneira de ser latina, de portugueses, talvez nos estejamos a candidatar ao país com mais leites infantis: ao que me dizem, mais de 90! Mas, apesar de todos os progressos dos últimos anos e parafraseando um conhecido pediatra, “nada pode imitar ou substituir o leite produzido por duas generosas glândulas mamárias”. Na realidade, muitos dos constituintes nutricionais e imunológicos do leite materno ainda se encontram por estudar ou mesmo por descobrir.
Embora todos os leites que se encontram no mercado tenham uma composição relativa em macro e micro nutrientes que respeita os valores mínimos e máximos legislados pela União Europeia para os diferentes grupos de leites, a sua variação é tão grande e complexa que exige uma constante actualização do médico prescritor, constituindo mesmo, por vezes, um grande quebra-cabeças. Em última análise, a escolha de um leite artificial tem, sobretudo, a ver com as características e a resposta do bebé ao seu consumo, comparando o seu desenvolvimento somático com o dos bebés alimentados ao peito.
Para bebés não tolerando os derivados do leite de vaca (ou cujos pais optem por uma alimentação sem derivados animais), existem as fórmulas à base de proteínas de soja, com a proteína intacta ou hidrolisada. Mas ainda hoje é controversa, por exemplo, a sua utilização na prevenção das alergias. Estas fórmulas devem ser enriquecidas com metionina e L-carnitina e taurina (ausente na soja), bem como com selénio, para as adequar às necessidades do bebé. As fórmulas hidrolisadas à base da proteína de soja, contêm também uma fonte de proteína animal, habitualmente o colagéneo de porco.
Diversificação alimentar
A diversificação alimentar consiste em introduzir outros alimentos para além do leite materno (ou das fórmulas lácteas) e continua até que a criança se venha a integrar na alimentação semelhante à do resto da família. É importante porque permite proporcionar ao bebé nutrientes e energia para as suas necessidades que já não são cobertas por uma alimentação exclusivamente láctea. Também é fundamental para o desenvolvimento das suas competências sensoriais e da sua educação e integração no ambiente familiar e social que a rodeia. A educação alimentar (a par da do sono) é, porventura, o primeiro acto (e bem significativo) da sua educação.
A diversificação alimentar não se deve iniciar nem antes dos 4-6 meses nem depois dos 6-8 meses. Está condicionada pela capacidade gástrica do bebé; pela sua maturação enzimática (por exemplo, a fibra só é bem tolerada a partir do 2º semestre); e, entre outros factores, pela dentição, que facilita a utilização de alimentos com maior consistência.
A diversificação precoce pode interferir com o aleitamento materno e apresenta outros riscos, como: dificuldade na deglutição, sobrecarga renal, maior risco de alergia, intolerância a certos componentes alimentares e risco infeccioso (gastroenterites), pelo desmame precoce.
A diversificação tardia pode também configurar um risco, quer nutricional quer educativo e de socialização, como já salientámos, pelo que a entrada progressiva de novos alimentos deve ser sempre atempadamente feita.
Não há regras fixas para a diversificação alimentar, dado que ela depende da evolução nutricional da criança, bem como de variáveis económicas, socio-culturais e até geográficas. Por exemplo, as papas poderão ser a primeira opção de comida mais sólida num bebé com mais dificuldade na progressão do peso, mas o puré de legumes poderá ser mais aconselhável introduzir primeiro nos bebés com peso a mais ou mais “gulosos”. Neste caso, se introduzimos primeiro as papas, já será mais difícil dar-lhes depois as sopas.
Sobretudo no caso de crianças potencialmente atópicas (alérgicas) é prudente introduzir só depois dos 9 meses (ou mesmo depois do ano) alimentos como os ovos, peixe, citrinos, tomate, leguminosas secas ou morangos. Em todo o caso, é fundamental habituarmos os bebés a uma diversificação alimentar no momento indicado, procurando sempre incutir-‑lhes, desde cedo, regras alimentares correctas e o gosto por alimentos saudáveis, nomeadamente fruta e vegetais, o que é de extrema importância nas idades subsequentes.
Praticar um bom pequeno‑almoço, pelo menos com leite e pão com doce ou manteiga, ou então uma papa láctea e fruta.
As difíceis idades pré-escolar e escolar!
A partir dos 2-3 anos, há uma desaceleração do crescimento e um progressivo aumento da autonomia da criança. Isso leva a uma diminuição da quantidade de alimentos necessários ao bom desenvolvimento da criança, ao aparecimento de uma certa falta de apetite (relacionada com esta diminuição) e ao hábito de procurar alimentos e guloseimas no intervalo das refeições que, naturalmente, agravam a anorexia. Por isso, é importante que sejam ensinadas e cumpridas algumas regras e comportamentos alimentares, que podem condicionar as atitudes da criança pela vida fora:
● regularidade nas horas das refeições;
● pouco consumo de alimentos açucarados, em especial no intervalo das refeições;
● evitar o consumo de guloseimas, gelados, batatas fritas, refrigerantes e sumos, sobretudo entre as refeições;
● evitar, no entanto, intervalos muito grandes entre as refeições, à semelhança dos adultos, o que pode provocar baixa de açúcar no sangue, levando a criança a ficar apática ou birrenta;
● praticar um bom pequeno-almoço, pelo menos com leite e pão com doce ou manteiga, ou então uma papa láctea e fruta. O hábito de comer bem ao pequeno-almoço mantém a criança com boa energia durante a manhã e evita a necessidade de uma colação a meio da manhã, tão erradamente em moda, hoje. Esta colação se for de leite com chocolate, como é muito usual, é um factor euforizante para a criança, sobretudo nas mais predispostas à hiperactividade, pelo efeito da teobromina do chocolate, que é um alcalóide e que, como todos, pode causar habituação. Além disso, uma refeição, mesmo pequena, a meio da manhã, pode diminuir acentuadamente o normal apetite para o almoço, que habitualmente é dado cedo nestas idades.
● Nunca dar à criança qualquer porção de álcool, por pequena que seja. A saúde da criança pode ser seriamente prejudicada e pode estar lançada a semente para mais um bebedor, a juntar às centenas de milhar que infelizmente já temos.
A entrada de muitas mães no mercado de trabalho e a ida precoce das crianças para os infantários veio aumentar ainda mais a importância das refeições, sobretudo do jantar, como espaço de reunião e de partilha para a família. A TV nunca deveria estar ligada nestes momentos, que são sagrados para que todos se possam fazer ouvir e partilhar os seus sentimentos e experiências. Esta atitude é ainda mais importante quando se têm adolescentes em casa, que precisam mais de ser ouvidos e compreendidos do que de pão para a boca!
Adolescência: período máximo de risco nutricional
Uma boa alimentação nesta fase da vida é fundamental para um bom e harmonioso desenvolvimento e para evitar doenças crónicas da idade adulta como, por exemplo, a obesidade, a diabetes e as doenças cardiocirculatórias. Nesta faixa etária, as necessidades nutricionais são mais elevadas do que em qualquer outra. Também é, normalmente, o período mais saudável da vida e aquele em que se tem mais apetite, o que é um óptimo mecanismo natural para ajudar o adolescente a satisfazer as suas acrescidas necessidades.
A dieta do adolescente deve ser, por isso, abundante e, sobretudo, equilibrada. É importante que lhe seja administrada uma quantidade importante de proteínas (10-15% do valor total da dieta), fundamental para a formação e a manutenção dos equilíbrios biológicos num organismo em desenvolvimento acelerado. As proteínas devem ser diversificadas, entre as de alto e baixo valor biológico, de forma a conter os 10 aminoácidos essenciais ao desenvolvimento (carne, peixe, ovos, lacticínios, leguminosas, oleaginosas). As crianças e jovens que não comem alimentos cárneos, deverão, nestas idades, ser predominantemente ovo-lacto-vegetarianos.
Todos os outros alimentos da pirâmide alimentar devem estar presentes, nomeadamente os cereais, (fornecedores ímpares dos hidratos de carbono) e as frutas e legumes tão importantes no fornecimento de vitaminas e sais minerais indispensáveis para um desenvolvimento harmonioso. O ferro, o cálcio e o zinco podem ter que ser suplementados, para evitar carências.
A sopa, que deveria estar presente nos regimes alimentares de todas as idades, a partir dos 6 meses, é ainda a melhor forma de veicular muitos nutrientes indispensáveis à saúde, ajudando a manter um bom funcionamento do intestino, como sempre lembrava o saudoso Mestre português da Nutrição, Dr. Emílio Peres.*
As gorduras devem estar limitadas, já desde os dois anos, a um máximo de 30% do total do aporte calórico, no sentido da prevenção das doenças cardiovasculares.
A sopa, que deveria estar presente nos regimes alimentares de todas as idades, a partir dos 6 meses, é ainda a melhor forma de veicular muitos nutrientes indispensáveis à saúde, ajudando a manter um bom funcionamento do intestino.
Riscos particulares da adolescência
O amadurecimento somático e psicológico acelerados e a tendência para a procura de autonomia do adolescente, pode levá-lo à adopção de hábitos alimentares que fujam aos bons hábitos trazidos da infância e aos padrões habituais dos familiares mais velhos. Estão neste caso os horários irregulares das refeições, mesmo com perda de refeições importantes e o consumo do chamado “junk food”, com alimentos com muitas calorias e baixo valor nutritivo.
A necessidade de se sentir incluído no seu grupo e a preocupação com o seu aspecto exterior, pode ainda levar o adolescente a praticar um regime alimentar próprio, muitas vezes ligado a determinadas filosofias de vida.
Um estudo iniciado pela OMS em 1982 e que envolve mais de 30 países, indicia que o consumo de alimentos saudáveis está ligado, nestas idades, a outros comportamentos como não fumar, não beber, não consumir drogas, melhor aproveitamento escolar, melhores relações com a família e menor envolvimento em actos de violência. Pelo contrário, uma alimentação menos saudável, surge ligada a um tempo prolongado diário diante da televisão e outras actividades sedentárias, a maiores comportamentos de risco (consumo de tabaco, álcool e drogas), a mais afastamento da família e a maior pessimismo perante a vida.
O não se sentir bem dentro de si mesmo, leva muitos jovens, nestas idades, a desejarem mudar o seu corpo. Sentem-se gordos e desajeitados! A juntar aos seus sentimentos, existe a pressão da sociedade que impõe estereótipos de beleza exagerados, que levam a restrições alimentares para os conseguir, contribuindo para o aparecimento, cada vez mais frequente, de doenças do comportamento alimentar (anorexia, bulimia, anorexia/bulimia - VER Saúde e Lar Abril/07).
Segundo um estudo recente da Universidade do Minho, mais de 3% das adolescentes e jovens portuguesas entre os 12 e os 32 anos, sofre de distúrbios alimentares, o que perfaz um total de cerca de 25 mil raparigas.
A monitorização destas situações é uma tarefa árdua e complexa, exigindo a contribuição de uma equipa de especialistas.
Arriscaria, assim, a dizer (se é que mais de quatro décadas da prática da Pediatria me dão esse direito), que se habituarmos as nossas crianças, desde o berço, a uma alimentação correcta, equilibrada, saudável e a tempo e horas, as ajudaremos a passar por toda a vida com muito mais saúde e alegria de viver, com uma muito melhor integração familiar e social e mais a coberto dos desvios patológicos e dos comportamentos aditivos tão frequentes nos nossos dias.&
Samuel Ribeiro
Pediatra
* Ref.: “Nutrição pediátrica – Princípios básicos” (Aires Cleofas da Silva - João Gomes-Pedro)