02/09/13

O ÁLCOOL

O ALCOOL
O álcool está no pelotão da frente das substâncias consideradas perigosas para o consumo humano, designadas nesta série por drogas, na medida em que, sendo psicoactivas, estas substâncias modificam a actividade mental, provocam sensações, e alteram os comportamentos. O seu uso expõe o organismo a perigo e riscos para a saúde, e pode ter consequências sobre a vida social diária. O seu uso pode provocar, entre outras coisas, a dependência.
Se existe um consumo que não precisa de demonstração relativamente à especulação do espírito que pode provocar (ver edição S&L nº anterior), considerada talvez uma das drogas mais consumidas a nível global, o álcool ocupa esse lugar inquestionável.

Mas, afinal, o que é o álcool? Porque o inventaram os seres humanos? Por que razão algumas civilizações parecem saber conviver com a sua presença, enquanto outras sucumbem perante o seu apelo? Porque numas é ele socialmente tolerado, noutras dado a crianças desde a mais tenra idade, enquanto noutras é severamente proibido ou ainda trancado em lojas específicas, abertas somente durante alguns períodos do dia e sujeitas a uma apertada vigilância na venda?
O ALCOOLO problema desta droga é o seu grau de letalidade e morbilidade. Em 2002, os custos do uso do álcool ascendiam a 2,3 milhões de mortes prematuras, isto é, 4,4% de todas as mortes no mundo. Outros estudos referem que se deve ao álcool 4% do total dos anos de vida condicionados pela incapacidade (isto é 58,3 milhões de DALYs – ver figura). De acordo com A. Vassillion (Comissária Europeia para os problemas relacionados com o álcool), a “Europa possui a maior percentagem de consumidores de bebidas alcoólicas do mundo, os níveis mais elevados de consumo de bebidas alcoólicas per capita e um nível elevado de danos relacionados com o consumo de álcool. O consumo nocivo e perigoso de bebidas alcoólicas é responsável por 7,4% de todos os problemas de saúde e morte precoce na UE”.
O que é um DALY?Quando se pretende avaliar o peso que uma determinada condição tem para a doença, fala-
-se de carga da doença. Se fosse medida apenas pelo valor da mortalidade, isso ignoraria a morbilidade não fatal. Assim, a OMS e o Banco Mundial usam uma outra medida designada por “Anos de Vida Ajustados pela Incapacidade (Disability-Adjusted Life Years)”. Esta medida tem, assim, em conta a quantidade de saúde perdida, em tempo e os anos perdidos por incapacidade. Os anos perdidos por morte prematura são dados pela diferença entre a idade na altura do falecimento, e a esperança de vida padrão. Os anos perdidos por incapacidade são calculados pelo tempo decorrido sofrendo de uma incapacidade, com um coeficiente entre 0 (sem incapacidade) e 1 (incapacidade total = morte).
O álcool é o principal responsável por ferimentos não intencionais, que são responsáveis por um terço de todas as mortes. É importante notar que os efeitos do álcool não se ficam pelas mortes prematuras ou ferimentos não intencionais. Existe uma grave consequência do seu consumo, que se identifica através dos padrões de saúde mental de milhões de pessoas afectadas por ele. Estas condições neuro-psiquiátricas (responsáveis por 40% dos 58,3 milhões de DALYs) são um peso social de incalculáveis consequências para o bem-estar de outros tantos milhões de pessoas que diariamente têm de lidar e conviver com aqueles que são vítimas deste flagelo. Mas o drama não fica por aqui!
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PORTUGAL: UM JARDIM À BEIRA-CEMITÉRIO PLANTADO!
De acordo com o estudo desenvolvido por Miguel Gouveia (2008), 3,8% das mortes em Portugal são atribuíveis ao álcool; ou seja, 4054 mortes num total de 107 839.
De acordo com este investigador, se medirmos a carga da doença através dos Anos de Vida Ajustados por Incapacidade – Disability Adjusted Life Years (DALY) – gerados pela mortalidade, a proporção da carga da doença atribuível ao álcool é 5,0% totalizando 32 922 DALYs. Na carga da doença através dos DALYs gerados pela mortalidade, a divisão entre sexos é muito desigual, já que 6,2% da carga da doença masculina e 5,6% das mortes são atribuíveis ao álcool, mas apenas 1,8% da carga da doença feminina e 3,6% das mortes.
Além da mortalidade, é necessário ter em conta a carga da doença gerada pelo impacto da morbilidade nos níveis de incapacidade da população, algo que os DALYs também permitem medir. Os DALYs medindo a incapacidade atribuível ao álcool totalizam 8335, enquanto as estimativas dos DALYs por incapacidade são apenas 25% dos DALYs por morte para o álcool. A carga global da doença estimada pela soma dos DALYs por morte e por incapacidade apresenta um total de 41 257 anos no caso do álcool.
As doenças do fígado apresentam-se no topo, com 28,3% do total dos DALYs (com 11 669). Seguem-se, depois, os acidentes e transportes com 26,2% (com 10825), as neoplasias com 19,3% (com 7949), as doenças circulatórias 14,4% (com 6096) e as outras causas com 11,4% (com 4718) .

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OS CUSTOS & OS LUCROS DA INDÚSTRIA DO ÁLCOOL
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Quando se pondera o custo total tangível do álcool – em 2003 esse valor ascendia a €125 biliões (€79 biliões - €220 biliões) – chega-se ao equivalente a 1,3% do PIB, para a UE. Mas assim como é redutor falar só de mortalidade, e a OMS e o Banco Mundial recomendam uma medida mais realista para medir o impacto do álcool com os DALYs, igualmente não nos podemos ficar pelos custos tangíveis. Se tivermos em conta os custos intangíveis, que de algum modo podem considerar o valor que as pessoas atribuem ao sofrimento e perdas sentidas (que podem ser não só sociais e de saúde, mas incluir danos de origem criminosa), encontramos o valor de 270 biliões de euros (dados para 2003). Outros métodos apresentam valores que variam entre €150 biliões e €760 biliões.
O que justifica e sustenta este flagelo económico? Por detrás deste flagelo está a lógica economicista: é na Europa que se produz um quarto do álcool mundial. Metade da produção mundial de vinho sai das suas fronteiras e 70% de exportações de álcool estão centradas na UE. O comércio de álcool é responsável por gerar 9 biliões de euros na balança comercial da UE. De acordo com os últimos dados, ainda na UE dos 15, os impostos directos sobre produtos alcoólicos atingiam o valor de €25 biliões em 2001. Este valor exclui impostos sobre a venda e outros impostos pagos na rede de distribuição. Deste valor, €1,5 biliões são devolvidos à rede de distribuição, através da Política Agrícola Comum.
Embora os dados não nos permitam uma comparação directa (na medida em que não possuímos dados do mesmo ano) atrevemo-nos a proceder a uma aproximação (pois a economia europeia não terá sofrido grandes oscilações desde 2001 e 2003, anos da proveniência desta informação).
Assim, somando tudo o que se ganha na UE com o álcool ( 9 + 25 + 1,5 biliões) obtemos um valor bruto de 35,5 biliões de euros. Em contas muito redondas, iremos atribuir mais outro tanto, para incluir os benefícios não contabilizados como sejam o contrabando, o comércio livre entre países (2 em cada 12 turistas quando faz uma viagem regressa com bebidas alcoólicas, trazendo em média mais de 2 litros de álcool puro por pessoa). Assim, teríamos um valor de (no máximo) €80 biliões de benefícios económicos. A quanto equivale esse valor em sofrimento, doença e morte directamente atribuível na UE? A €125 biliões!

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Não há um ser humano (com a pior racionalidade económica) que, de bom e são juízo, desejaria investir num negócio que provocaria o dobro de danos financeiros do que de lucros obtidos. Infelizmente, somos nós todos que habitamos e povoamos de idiossincrasias e paradoxos o nosso dia-a-dia na UE: pagamos 125 biliões (valores mínimos, pois podem ascender a 760) para obter 80 biliões de € de lucro (valores máximos). Não é de admirar que não haja economia que resista muito tempo a um prejuízo desta magnitude. Assim, temos de reconsiderar muito seriamente o custo que outros sectores da sociedade estão a pagar para manter a indústria do álcool em movimento. Por outras palavras: se parássemos este sector produtivo, sobrava-nos – na pior das hipóteses – dinheiro suficiente para sustentar todos os que dele vivem sem trabalharem para o resto da sua vida e mais barato! O problema é que não vivemos num mundo ideal, e a lei da procura e da oferta são implacáveis sobre a vida dos consumidores de álcool.

UMA HISTÓRIA MAL CONTADA
O álcool é obtido através de um processo de fermentação de vegetais ricos em açúcar, ou por destilação. O álcool intervém, assim, na composição de bebidas, tais como o vinho, a cidra, licores, bebidas aperitivas, cerveja, entre outras.
Dadas as diferentes formas nas quais ele se pode apresentar, muito se tem discutido sobre qual é o consumo para a saúde que faz bem, que pode ser tolerado, que prejudica ou incapacita. Na verdade, vamos deixar aqui algumas pistas para que possa tomar uma decisão relativamente à resposta correcta a dar a esta questão.

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Os Doze Passos originais dos Alcoólicos Anónimos:
Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre a nossa vida.Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.Decidimos entregar a nossa vontade e a nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exacta das nossas falhas.Prontificámo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de carácter.Humildemente rogámos a Ele que nos livrasse das nossas imperfeições.
Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e dispusemo-nos a reparar os danos a elas causados.Fizemos reparações directas dos danos causados a essas pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.Continuámos a fazer o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós admitíamo-lo prontamente.Procurámos, através da prece e da meditação, melhorar o nosso contacto consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento da Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.
Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a esses Passos, procurámos transmitir essa mensagem aos alcoólicos e praticar esses princípios em todas as nossas actividades.

Há alguns anos atrás, na Inglaterra, os cientistas foram pressionados para apresentarem os limites do consumo, sem perigos para a saúde humana. Assim, nos últimos 20 anos, fez escola a noção de que 21 unidades de álcool para os homens, e 14 para as mulheres seriam as quantidades ideais (valores apresentados em 1987). Uma análise mais detalhada da história da criação destes limites e a subsequente discussão que se seguiu, veio revelar que eles tinham sido criados a partir de nenhuma evidência científica.
A revelação desta insustentabilidade veio do Dr. Richard Smith, membro do Royal College of Physicians. Segundo ele, o epidemiologista da comissão que trabalhava nesta questão confessou que “era impossível dizer quais eram os limites toleráveis e não tolerados pelo organismo, pois não temos nenhuma informação de qualquer género nesta questão”. O Dr. Smith, um dos antigos editores da prestigiada revista científica “British Medical Journal” sentiu-se, como os seus colegas, tão pressionado pela evidência que se acumulava relativamente ao prejuízo do uso do álcool, que se viram obrigados a produzir linhas de orientação. Mas o Dr. Smith acrescentou que “estes limites foram inventados no ar. Não foram baseados em nenhuma evidência. Foi uma espécie de adivinha produzida através de um consenso de um grupo de especialistas”.
Neste contexto, sugerimos a regra do método que melhores resultados tem produzido em todo o mundo em ajudar pessoas a deixar a dependência do álcool: o consumo seguro é o consumo nulo.
Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde
Mestre em Saúde Pública

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